quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Talento dentro e fora das Quadras



























Entrevista: Carlos Durães
Edição: Filipe Freitas Rocha

Magic Paula nasceu Maria Paula Gonçalves da Silva, em 11 de março de 1962, na cidade de Osvaldo Cruz, interior de São Paulo.

Dos seus 28 anos de carreira, passou 22 defendendo a Seleção Brasileira.

Dentre os muitos títulos conquistados, considera os mais importantes internacionalmente: o de campeã pan-americana em Cuba, 1991; o de campeã mundial, na Austrália em 1994; e a medalha de Prata nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996.

Após pendurar o “tênis”, Paula continua trabalhando pelo esporte, levando sua experiência, seu talento e seus valores para a gestão do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, em São Paulo.

O Centro Olímpico

O Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP) é uma unidade da Secretaria de Esportes, Lazer e Recreação da cidade de São Paulo.

Foi criado em 1976 e de lá para cá passou por muitas transformações.
Durante a década de 1990 sofreu um processo de deterioração, se recuperando nas gestões exercidas a partir de 2001.

Hoje, o COTP cumpre o seu papel de formar atletas das categorias de base de 10 modalidades: Atletismo, Basquete, Boxe, Futebol, Ginástica Olímpica, Handebol, Judô, Luta Olímpica, Natação e Voleibol.

Algumas modalidades não contam com equipes masculinas e femininas por falta de espaço e de profissionais.

Todos contam com o processo de iniciação esportiva e posterior participação em diversos campeonatos.

Pelo COTP já passaram atletas como: Montanaro e Amauri (Vôlei masculino), Cadum (Basquete masculino), Hortência (Basquete feminino), Fofão (Vôlei feminino), João do Pulo (Salto Triplo), Ricardo Prado (Natação) e profissionais como Cláudio Mortari, técnico de basquete e o médico Osmar de Oliveira.

Paula dirigiu o COTP de 2001 a 2003 e realiza neste momento sua segunda gestão, iniciada em 2005.

A ENTREVISTA

Corpore: Qual o seu principal trabalho à frente do COTP?
Paula: Nesse momento eu estou acumulando o cargo de gestora do COTP com a coordenação dos esportes de rendimento da cidade de São Paulo. Estamos construindo uma rede olímpica para a cidade, criando quatro núcleos, um em cada região, que funcionem como mini centros olímpicos.
Esses mini centros farão toda a parte de peneiras, aprendizagem, aperfeiçoamento e depois dessa lapidação, os jovens viriam pro COTP já num estágio já de competição. Isso vai facilitar bastante, pra que uma criança que more na zona leste não precise gastar, como acontece, de 3 a 4 horas para vir até aqui (Ibirapuera – zona sul) treinar. Estamos tentando implantar esse sistema em 2009, para iniciar o trabalho já em 2010.

Corpore: Qual a maior dificuldade que você encontra nesse trabalho?
Paula: Tem todo um processo de construção da capacitação de profissionais, de implantação da nossa filosofia, porque a coisa mais difícil hoje é conseguir um profissional de educação física que trabalhe com iniciação esportiva. É raríssimo, estamos tendo muita dificuldade com isso.
Tá todo mundo saindo da faculdade só para trabalhar em academia, com recreação, como “personal”.

Corpore: Que tipo de apoio os atletas recebem no COTP?
Paula: Eles recebem lanche após a atividade e contam com toda a estrutura de fisioterapia, médicos, dentistas, assistentes sociais e psicólogos.

Corpore: Além de trabalhar com verbas públicas o Centro Olímpico está aberto para receber a ajuda de empresas?
Paula: Sim, o Vôlei conseguiu o patrocínio da Transit Telecom, mas isso é um pouco “engessado”, porque se alguém quiser apoiar nosso grande gargalo que é o material humano, eu vou dizer que o que a gente precisa mesmo é de recursos humanos, porque salário nós não damos para os atletas. Nossa missão aqui é formá-los e aí eles começam a jogar, vem o Paulistano e leva embora, vem o Banespa e leva embora e assim vai. Mas nós estamos na batalha de conseguir uma bolsa atleta, para que, dos mil jovens que temos, pelo menos duzentos consigam receber algo, porque chega um momento que a mãe e o pai pressionam para eles trabalharem e a gente sabe que desse monte de atletas poucos chegarão ao topo de se tornarem profissionais do esporte.

Corpore: O foco do COTP seria sociabilizar os jovens através do esporte ou formar mesmo futuros atletas de ponta?
Paula: Eu falo que temos um papel social pela situação do nosso país, mas nós já temos vários atletas de alto nível: tem um jovem do vôlei que está na seleção B do Bernardinho, temos a Maria do Judô, que foi reserva nas Olimpíadas de Pequim, as meninas da Ginástica, do Handebol que estão nas categorias de base de suas seleções. Esse é um processo natural, muitos também chegaram aqui com pinta de promessa e não vingaram, não continuaram, porque a vida de atleta é sacrificante, todo dia treinar 3, 4 horas, não é pra todo mundo, a gente sabe que poucos vão ter aquela garra. Tem sido muito difícil seduzir os jovens para praticar esporte hoje, pela própria evolução do mundo, essa geração é muito mais individualista, é ipod, é iphone, a menina com 12, 13 anos já está indo pra balada.

Corpore: Nós hoje somos muito mais espectadores do que fazemos algo de fato não é?
Paula: Eu acho, os jovens não estão querendo vir aqui batalhar, se sacrificar; com a saída da mãe pra trabalhar fora junto com o pai, eles para suprirem a ausência, acabam fazendo tudo pelos filhos, dão mesada, dão celular, então a gente sente que é uma geração que não batalha muito não, viu. Cada ano que passa fica pior. O próprio fato de se morar em apartamento, a violência da cidade, a molecada chega aqui, às vezes não sabem nem correr, isso é algo que tem nos assustado bastante, é uma geração que não brinca mais, é tudo sentado na frente do computador e do vídeo-game.

Corpore: Isso tudo traz mais trabalho para os preparadores físicos não?
Paula: Com certeza, porque eles têm que ensinar a correr e a turma quer bola, quer jogar, então é complicado. Um trabalho de iniciação esportiva é um trabalho árduo, de longo prazo e que não é bem remunerado, então todo mundo foge.

Corpore: Você pode traçar, em sua opinião, um panorama da situação do basquete brasileiro?
Paula: O problema do basquete é a má gestão, é não pensar na modalidade de forma profissional. Não existe planejamento de longo prazo, nem preocupação com as categorias de base. Temos uma Confederação que quer ficar fazendo campeonato nacional em vez de cuidar das seleções, é um problema estrutural, essa gestão atual está sacrificando uma geração, que está passando por uma transição que não precisava, uma transição em baixa. Você espera uma Janete parar de jogar pra começar a pensar no futuro. Quando eu e a Hortência paramos o rendimento caiu porque não houve uma preparação para possíveis substitutas. Hoje, nosso campeonato nacional dura três meses, a maioria das jogadoras atuam no exterior e quando o público não tem um espelho, um ídolo, é difícil colocar a criançada pra jogar.

Corpore: A torcida brasileira teve sorte de talentos como você e a Hortência terem aparecido, senão...
Paula: E mesmo assim, nós levamos quinze anos sofrendo até conquistar um título importante.
Nesse ponto, nós temos que elogiar o pessoal do vôlei, porque sai o Maurício, sai o Tande, o Giovanni e entram outros melhores ainda.

Corpore: Os dirigentes de várias modalidades ficam muito tempo em seus cargos. Você tem esperança disso melhorar?
Paula: Olha, isso é um problema muito antigo.
As federações é que votam para eleger o cara, e ele, teoricamente, compra as federações.
O dinheiro que serviria para formar a base, os atletas, acaba indo para coisas assim, o que eu não concordo.
Esporte no Brasil é ditatorial, é um feudo.
Olha só: você elege o presidente do país, e ele pode ficar no máximo oito anos, enquanto nas Federações tem gente há vinte e um anos.

Corpore: Você é favorável a realização das Olimpíadas no Brasil?
Paula: Eu não sou. Até seria se junto desse desejo de realizar a Olimpíada existisse um programa esportivo para o nosso país. Mas o que existe é só a ansiedade de fazer construções, de deixar legados e se deixar legados fosse importante pro esporte brasileiro o Pan-Americano teria sido ótimo, mas os legados que foram deixados de construções estão abandonados.
O buraco do esporte brasileiro é mais embaixo. Primeiro nós temos que fazer a base de uma casa, não adianta colocar um telhado lindo e a base não estar bem construída.

Corpore: Você poderia deixar uma mensagem aos estudantes de educação física?
Paula: Eu sou formada em educação física, sei que a profissão ainda não tem o valor que merece. Eu fiz estágio em escola e sei das dificuldades, quando tinha a bola não tinha a tabela, não tinha rede de vôlei, etc. Nós não somos vistos, dentro de uma escola, com o mesmo respeito de outras matérias, como biologia, matemática, química, etc. Mas eu acho que é uma profissão linda, a gente constrói pessoas através do esporte, é uma coisa maravilhosa. O que estamos precisando é ter mais profissionais que se dediquem à iniciação esportiva, senão no futuro, vamos ter um país sem competidores, sem representatividade e isso é uma coisa que me preocupa bastante.

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